Balada da Neve
Batem leve, levemente,
Como quem chama por mim...
Será chuva? Será gente?
Gente não é certamente
E a chuva não bate assim...
É talvez a ventania;
Mas há pouco, há poucochinho,
Nem uma agulha bulia
Na quieta melancolia
Dos pinheiros do caminho...
Quem bate assim levemente,
Com tão estranha leveza
Que mal se ouve, mal se sente?...
Não é chuva, nem é gente,
Nem é vento, com certeza.
Fui ver a neve caía,
Do azul cinzento do céu,
Branca e leve, branca e fria...
-Há quanto tempo a não via!
E que saudade, Deus meu!
Olho-a através da vidraça
Pôs tudo da cor do linho.
Passa gente e, quando passa,
Os passos imprime e traça
Na brancura do caminho...
Fico olhando esses sinais
Da pobre gente que avança,
E noto, por entre os mais,
Os traços miniaturais
Duns pezitos de criança...
E descalcinhos, doridos...
E descalcinhos, doridos...
A neve deixa inda vê-los,
Primeiro bem definidos ,
-Depois em sulcos compridos,
Porque não podia ergue-los
Que quem já é pecador
Sofra tormentos... enfim!...
Mas as crianças, Senhor,
Porque lhes dais tanta dor?!...
Porque padecem assim?!...
E uma infinita tristeza,
Uma funda turbação
Entra em mim, fica em mim presa,
cai neve na natureza...
E cai no meu coração.
AUGUSTO GIL
4 Comments:
Seguramente um dos mais conhecidos poemas de toda a lírica de língua portuguesa.
Aqui, onde moro, é raríssimo nevar.
É pena não acontecer mais vezes...
Beijinhos
E lá começamos todos a recitar contigo o Augusto Gil!
Eh eh eh
antónio este é uma das minhas pérolas preferidas. Pois é e eu que só vi nevar alguns minutinhos no fenómeno que houve há tempos por estas bandas? Agora nevar a sério e tocar na neve nunca vi!
Por duas vezes já fui à Serra da Estrela no antes e depois, grandes nevões mas nos entretantos népias de neve.
inês de facto é contagiante :):):)
Beijos
Era dos poucos poemas que sabia de cor, mas descobri agora que a minha memória já só guarda metade.
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