Vasculhando sotãos...
Finalmente
O sol está lindo! Doirado, morno, neste Outono. De rua em rua esticando as pernas, sem pressa nenhuma, vou passeando. Chego ao cruzamento que é quadrado, e que é usado pelos Italianos como sala de reuniões. Quem os quiser encontrar, não precisa de noutro sítio os procurar, ali certamente os vai encontrar. Numa das esquinas viradas para a serra encontra-se o Migros, na outra a Coop. Numa das esquinas viradas para o Lago está o espaço __que por mudar tanto de dono e de conteúdo, chamo -lhe de, __multiusos __. Na outra está a Ex. Libris com os seu discos e afins, e o Kiosk onde muita gente sonha acertar na sorte. Vou até ao Cuba Libre e enquanto rego a goela preencho o papelinho que me habilita ao grande jogo do, __Euro milhões.
Em frente à Tv. Preparo-me para controlar os números. Sai o primeiro, certo. Sai o segundo, certo. Sai o terceiro, certo. Pronto já ganhei para a despesa! __Pensei. Sai o quarto, certo. Sai o quinto, certo. É pá! Já me chega. Isto já dá muita massa! É agora a vez de saírem os números correspondentes às bolas das estrelas. Primeira, certo. Segunda, certo. Até que enfim! Finalmente! Depois de tanto jogar! Depois de tanto sonhar, de olhos abertos, eis que aqui está! Sei que eram muitos os milhões
em jogo. Calculo que muitos serão os que me vão tocar. Incrível! Estou calmo. Tenho ouvido dizer que muitos se passam da tola, mesmo ali no segundo seguinte. Eu continuo são que nem um pêro. “O Povo é sereno! Se dúvidas houvesse , esta era a prova , ó Carmindo . És do povo e estás sereno”.
Começo a fazer cálculos e planos para gastar tanta massa. Quando a receber, vou alugar uma coisa que voe e de lá de cima, vou espalhar ao vento muitas notas. Vou-me divertir ao ver aqui em baixo as pessoas na azáfama da apanha. Alguns aproveitarão o que tiverem à mão, para apanharem mais quantidade. Se chover vão ficar admirados: __Que é isto? Dinheiro na chuva?! Depressa todos pensarão em virar os guarda-chuvas ao contrário para guardarem mais. Amanhã vou ligar para a Tv. a dizer que pago a cadeira de rodas àquela senhora que há dias lá esteve a pedi-la por caridade. Que ajudo aquela que pedia apoio em nome do filho portador de doença rara. Mais aquele desempregado, de momento enrascado. Sim, vou ajudar estes e muitos mais. Vou mandar à fava, para as ortigas da outra banda todas as editoras sanguessugas, que contactei. Vou editar os meus livros. E, de manhã vou para a porta da igreja, e de tarde para os supermercados dá-los a quem os quiser aceitar. Basta-me a promessa de que cuidarão bem deles. Já tenho pregão: “ Quem quer quentes e boas? Quentinhas! “ As pessoas irão parar e estupefactas irão perguntar: “Aonde, elas estão? Que não as vejo!” “ Tenho-as aqui nas minhas mãos, __tome ofereço-lhas. São palavras minha Senhora, só palavras”. “Áh! Palavras! Dê-me meio quilo delas por favor “. “Obrigado minha Senhora. Coma-as devagar como se fossem castanhas, quentes e boas”. Penso que vou ter que mudar de ares para fugir aos amigos de ocasião. Os da “midia” não tardarão a descobrir e então… Para onde hei-de ir? Talvez para o grande Brasil. Não é para lá que vai a gente que foge? Para lá, já foi um padreco a fugir ao rótulo de badameco.Uma de nome Felgueiras para lá foi para se livrar das frieiras que lhe mordiam, como se não lhe bastasse já a dor de calos apertados. Coitado de ti, __Ó Brasil, grande Brasil! __Tanto gostam da protecção da tua enorme asa. Talvez devido à fama dos recentes mensalões e dos antes seculares portos de abrigo onde os maiores corruptos escondiam seus proventos de milhões. Mas eu não irei fugido à justiça, apenas às melgas que não tardarão a rondar-me a porta. Tantos milhões! Quantos francos? Quantos contos serão? Também tu, ó pá! Há tanto tempo após a entrada em vigor dos Euros, e ainda a pensar em contos?! Em Francos, ainda vá lá. É a moeda corrente desse país onde te encontras e é normal que penses neles para poderes calcular os casarões, os carrões que agora podes comprar.
Acordo. Abro os olhos. A sesta de tarde de domingo acabou. Ora que porra! Afinal foi só um sonho. Um rico sonho, sonhado de olhos fechados. Visto-me. Apalpo os bolsos e encontro uma nota de vinte francos. Preparo-me para sair. Aonde vais a esta hora? __Pergunta a minha mulher. Vou dar uma volta ao __bilhar grande __, ao redondel do costume: à Caravela, ao Centro e à Casa do Benfica. Vou comer uns caracóis e beber umas imperiais, para ver se esqueço este sonho.__Sonho, que sonho? __Deixa para lá, depois te conto.__Agora vou, mas venho depressa. Amanhã estou no turno da madrugada e é segunda-feira, maldita será como têm sido todas as outras! Ainda por cima vou ter que continuar a trabalhar, teso como sempre, __resmungo, deveras muito chateado. Espreito pela janela, e o sol lá está. Lindo, doirado e morno, __sol de Outono. Valha-me isto, ao menos o sol é real.
E aqui por estas terras é coisa rara.
de Carva
A voz
Uma das coisas mais belas que um ser humano pode ter é a voz.Lembremo-nos que todos os grandes actores sobressaem, embora muitas vezes não se dê por isso, pelo timbre da voz.E qual o efeito de uma bela voz ao telefone?Além de ser agradável, pode ser muito apelativa, encantadora, sedutora!E na rádio?Quantas pessoas não se deixaram apaixonar por uma oralidade bem colocada, com as pausas nos sítios certos?E uma bonita voz a cantar?(Às vezes pode não ser muito bonita, mas ter um não sei quê que nos toca, que nos perturba, que nos cativa, que nos faz sonhar).E os murmúrios de carinho, de ternura, de paixão, de êxtase?E aquelas sonoridades de excitação libidinosa? Ai, minha mãezinha!!!!E o que disse aplica-se a vozes masculinas ou femininas, com intensidade mais forte ou mais branda, com uma frequência mais grave ou mais aguda, com um sotaque mais ou menos acentuado, a falar um idioma conhecido e compreensível ou totalmente ignorado.Pensem nas vossas experiências e digam se tenho ou não razão.Mas...há sempre um mas...quando as vozes são, pelo contrário, desagradáveis, com um timbre ou uma frequência irritante, com um sotaque aterrador, com espasmos asmáticos ou rouquidões repelentes e anasalamentos doentios.E quando começam a cantar com uma voz desafinada, atingindo o cúmulo quando ouvimos aquele timbre de cana rachada que nos faz querer fugir a sete pés?E quando os tais sons libidinosos são substituídos por arfares de asfixia? Por assobios vindos da traqueia?E quando essas vozes não se calam, quando martelam intensa e sadicamente os nossos ouvidinhos, quando queremos fugir e não podemos?Acho que devia haver cursos de formação para melhorar a voz, como há exercícios e dietas para melhorar o corpo, trabalho mental para modelar as capacidades intelectuais, medicamentos para matar as doenças e fazer renascer a saúde.Há pessoas que melhor estariam se fossem mudas.E muitos de nós bem gostaríamos de ser surdos em muitas ocasiões.Se tiverem uma voz feia e desagradável, façam o favor de teclarem no MSN ou no Yahoo, ou mandarem cartas ou faxes (parece que o telex já morreu) em vez de telefonarem.Façam como eu: nunca canto em sítio onde possa ser ouvido. Só no duche! E, mesmo assim, a própria água foge pelo ralo abaixo, rápida e queixosa. Nunca ouviram a água a queixar-se? É porque cantam bem!
de António
O sol está lindo! Doirado, morno, neste Outono. De rua em rua esticando as pernas, sem pressa nenhuma, vou passeando. Chego ao cruzamento que é quadrado, e que é usado pelos Italianos como sala de reuniões. Quem os quiser encontrar, não precisa de noutro sítio os procurar, ali certamente os vai encontrar. Numa das esquinas viradas para a serra encontra-se o Migros, na outra a Coop. Numa das esquinas viradas para o Lago está o espaço __que por mudar tanto de dono e de conteúdo, chamo -lhe de, __multiusos __. Na outra está a Ex. Libris com os seu discos e afins, e o Kiosk onde muita gente sonha acertar na sorte. Vou até ao Cuba Libre e enquanto rego a goela preencho o papelinho que me habilita ao grande jogo do, __Euro milhões.
Em frente à Tv. Preparo-me para controlar os números. Sai o primeiro, certo. Sai o segundo, certo. Sai o terceiro, certo. Pronto já ganhei para a despesa! __Pensei. Sai o quarto, certo. Sai o quinto, certo. É pá! Já me chega. Isto já dá muita massa! É agora a vez de saírem os números correspondentes às bolas das estrelas. Primeira, certo. Segunda, certo. Até que enfim! Finalmente! Depois de tanto jogar! Depois de tanto sonhar, de olhos abertos, eis que aqui está! Sei que eram muitos os milhões
em jogo. Calculo que muitos serão os que me vão tocar. Incrível! Estou calmo. Tenho ouvido dizer que muitos se passam da tola, mesmo ali no segundo seguinte. Eu continuo são que nem um pêro. “O Povo é sereno! Se dúvidas houvesse , esta era a prova , ó Carmindo . És do povo e estás sereno”.
Começo a fazer cálculos e planos para gastar tanta massa. Quando a receber, vou alugar uma coisa que voe e de lá de cima, vou espalhar ao vento muitas notas. Vou-me divertir ao ver aqui em baixo as pessoas na azáfama da apanha. Alguns aproveitarão o que tiverem à mão, para apanharem mais quantidade. Se chover vão ficar admirados: __Que é isto? Dinheiro na chuva?! Depressa todos pensarão em virar os guarda-chuvas ao contrário para guardarem mais. Amanhã vou ligar para a Tv. a dizer que pago a cadeira de rodas àquela senhora que há dias lá esteve a pedi-la por caridade. Que ajudo aquela que pedia apoio em nome do filho portador de doença rara. Mais aquele desempregado, de momento enrascado. Sim, vou ajudar estes e muitos mais. Vou mandar à fava, para as ortigas da outra banda todas as editoras sanguessugas, que contactei. Vou editar os meus livros. E, de manhã vou para a porta da igreja, e de tarde para os supermercados dá-los a quem os quiser aceitar. Basta-me a promessa de que cuidarão bem deles. Já tenho pregão: “ Quem quer quentes e boas? Quentinhas! “ As pessoas irão parar e estupefactas irão perguntar: “Aonde, elas estão? Que não as vejo!” “ Tenho-as aqui nas minhas mãos, __tome ofereço-lhas. São palavras minha Senhora, só palavras”. “Áh! Palavras! Dê-me meio quilo delas por favor “. “Obrigado minha Senhora. Coma-as devagar como se fossem castanhas, quentes e boas”. Penso que vou ter que mudar de ares para fugir aos amigos de ocasião. Os da “midia” não tardarão a descobrir e então… Para onde hei-de ir? Talvez para o grande Brasil. Não é para lá que vai a gente que foge? Para lá, já foi um padreco a fugir ao rótulo de badameco.Uma de nome Felgueiras para lá foi para se livrar das frieiras que lhe mordiam, como se não lhe bastasse já a dor de calos apertados. Coitado de ti, __Ó Brasil, grande Brasil! __Tanto gostam da protecção da tua enorme asa. Talvez devido à fama dos recentes mensalões e dos antes seculares portos de abrigo onde os maiores corruptos escondiam seus proventos de milhões. Mas eu não irei fugido à justiça, apenas às melgas que não tardarão a rondar-me a porta. Tantos milhões! Quantos francos? Quantos contos serão? Também tu, ó pá! Há tanto tempo após a entrada em vigor dos Euros, e ainda a pensar em contos?! Em Francos, ainda vá lá. É a moeda corrente desse país onde te encontras e é normal que penses neles para poderes calcular os casarões, os carrões que agora podes comprar.
Acordo. Abro os olhos. A sesta de tarde de domingo acabou. Ora que porra! Afinal foi só um sonho. Um rico sonho, sonhado de olhos fechados. Visto-me. Apalpo os bolsos e encontro uma nota de vinte francos. Preparo-me para sair. Aonde vais a esta hora? __Pergunta a minha mulher. Vou dar uma volta ao __bilhar grande __, ao redondel do costume: à Caravela, ao Centro e à Casa do Benfica. Vou comer uns caracóis e beber umas imperiais, para ver se esqueço este sonho.__Sonho, que sonho? __Deixa para lá, depois te conto.__Agora vou, mas venho depressa. Amanhã estou no turno da madrugada e é segunda-feira, maldita será como têm sido todas as outras! Ainda por cima vou ter que continuar a trabalhar, teso como sempre, __resmungo, deveras muito chateado. Espreito pela janela, e o sol lá está. Lindo, doirado e morno, __sol de Outono. Valha-me isto, ao menos o sol é real.
E aqui por estas terras é coisa rara.
de Carva
A voz
Uma das coisas mais belas que um ser humano pode ter é a voz.Lembremo-nos que todos os grandes actores sobressaem, embora muitas vezes não se dê por isso, pelo timbre da voz.E qual o efeito de uma bela voz ao telefone?Além de ser agradável, pode ser muito apelativa, encantadora, sedutora!E na rádio?Quantas pessoas não se deixaram apaixonar por uma oralidade bem colocada, com as pausas nos sítios certos?E uma bonita voz a cantar?(Às vezes pode não ser muito bonita, mas ter um não sei quê que nos toca, que nos perturba, que nos cativa, que nos faz sonhar).E os murmúrios de carinho, de ternura, de paixão, de êxtase?E aquelas sonoridades de excitação libidinosa? Ai, minha mãezinha!!!!E o que disse aplica-se a vozes masculinas ou femininas, com intensidade mais forte ou mais branda, com uma frequência mais grave ou mais aguda, com um sotaque mais ou menos acentuado, a falar um idioma conhecido e compreensível ou totalmente ignorado.Pensem nas vossas experiências e digam se tenho ou não razão.Mas...há sempre um mas...quando as vozes são, pelo contrário, desagradáveis, com um timbre ou uma frequência irritante, com um sotaque aterrador, com espasmos asmáticos ou rouquidões repelentes e anasalamentos doentios.E quando começam a cantar com uma voz desafinada, atingindo o cúmulo quando ouvimos aquele timbre de cana rachada que nos faz querer fugir a sete pés?E quando os tais sons libidinosos são substituídos por arfares de asfixia? Por assobios vindos da traqueia?E quando essas vozes não se calam, quando martelam intensa e sadicamente os nossos ouvidinhos, quando queremos fugir e não podemos?Acho que devia haver cursos de formação para melhorar a voz, como há exercícios e dietas para melhorar o corpo, trabalho mental para modelar as capacidades intelectuais, medicamentos para matar as doenças e fazer renascer a saúde.Há pessoas que melhor estariam se fossem mudas.E muitos de nós bem gostaríamos de ser surdos em muitas ocasiões.Se tiverem uma voz feia e desagradável, façam o favor de teclarem no MSN ou no Yahoo, ou mandarem cartas ou faxes (parece que o telex já morreu) em vez de telefonarem.Façam como eu: nunca canto em sítio onde possa ser ouvido. Só no duche! E, mesmo assim, a própria água foge pelo ralo abaixo, rápida e queixosa. Nunca ouviram a água a queixar-se? É porque cantam bem!
de António
4 Comments:
Olá, Fatyly!
Obrigado pela publicidade graciosa.
(já há muito que não lia este meu texto e gostei de o fazer. Não está nada mal esgalhado! ah ah ah)
Beijinhos
2 excelentes contos, o 1º muito bem descrito, irónico, pena ter sido um sonho:)
O 2º com o humor que o António já nos habituou:)
beijocas*
Gostei de ler...embora tenha lido à pressa, confesso!
Grata pela visita.
Voltarei ...hoje estou de saída para o baile de finalistas dos meus alunos.
Tenho de fazer a minha “make up”...LOLOLOL....
BShell
António mas ainda tens dúvidas de que escreves bem????:):):):)
Wind já há muito que leio o Carva e agor com um blogue ando lá sempre a espreitar. Também é um belissimo poeta e escritor.
Blueshell vai e dança por mim!
Beijos
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