Vasculhando Sotãos...
open, close, play
Pega-se num cd da estante da sala e caminha-se, com ele balançando entre o polegar e o indicador da mão direita, até à cozinha. Open. A tampa da mini hi-fi abre tão devagar que parece que naquele momento cabia uma vida. Close. Play. Open, close, play: três passos que qualquer divorciado já deu. Open quando casou e acreditou que valia a pena, close quando se divorciou e acreditou que nada vale a pena, play quando começo a respirar a outra vez. Talvez valha a pena, pensa-se. Música vocal cigana do princípio do século já se espalhou pelos cantos da cozinha. Monocórdica, como uma tarde que se escreve involuntariamente só.
Open. Uma mulher é sempre open. Mesmo uma que se cruzou connosco num autocarro, e é tão bonita; levantou-se antecipadamente para sair depois dum túnel, e é tão bonita; foi batendo com o polegar no corrimão vertical em que tocou a campainha, e é tão bonita; olhou-nos de relance quando as portas abriram, e é tão bonita. Saiu: close. Era tão bonita.Play, o bicho continua em movimento tortuoso serpenteando a cidade. Com mais fome. Engole pessoas pela porta da frente e vomita-as pela porta de trás, sem ligar merda nenhuma à minha vontade de ter ficado estacionado no momento em que os nossos olhos se cruzaram, e ela era tão bonita. Os autocarros não estacionam, o tempo não estaciona, as relações também não. Vivemos e temos que decidir tudo em andamento. Open, close, play. Open, close, play...
Se eu lhe pudesse dizer alguma coisa era open. Agradecia-lhe a existência e ter-se cruzado comigo neste mundo tão povoado, e de me ter povoado a mim. Tanto, ainda que pouco. Que eu sou um cais, pois, onde a fugacidade se atraca com a força dum navio petroleiro. Pois sou: um cais deserto onde à noite vou fumando as nuvens que poluem o horizonte, desenhando-a hirta, batendo com o polegar ao ritmo duma música qualquer. Uma música qualquer? Não, talvez uma música cigana, vocal e monocórdica, que se espalha em momentos involuntariamente sós. Open, Close, Play.
Publicada por bagaco amarelo (27/01/2007)
Conversas de
Quando se vai ao cabeleireiro já temos de ouvir as conversas de quem nos lava a cabeça, de quem corta ou faz o brush e ainda e a mais importante, a da manicure. Ao sábado temos ainda de ouvir a conversa de toda a multidão que lá se junta.
Senhora jovem - Não sei como há mães que conseguem pôr os filhos no infantário. Eu não conseguía!
Manicure - Se calhar precisam de trabalhar
Senhora - Essas mulheres não estão para aturar os filhos
Manicure - A Senhora pode ficar em casa, mas há mulheres que não podem
Senhora - Querem é despejar os filhos
Manicure - Mesmo que queiram não podem ficar em casa
Senhora - Deixei de trabalhar para poder ficar com o meu filho!
Manicure - Tomara a mim poder ter ficado mais tempo com a minha filha! não pude.
Senhora - Isso é a D. Fátima. Mas há outras que não qurem ficar em casa. Acham pouco.
Ficar em casa para educar os filhos é uma obrigação sagrada
Manicure - Estudaram e querem trabalhar...
Senhora - Se querem ter filhos não têm esse direito
Manicure - Eu quero que a minha filha estude para ter um emprego melhor do que o meu
Senhora - Então não quer ser Avó?
anotado por marta (2006)
Pega-se num cd da estante da sala e caminha-se, com ele balançando entre o polegar e o indicador da mão direita, até à cozinha. Open. A tampa da mini hi-fi abre tão devagar que parece que naquele momento cabia uma vida. Close. Play. Open, close, play: três passos que qualquer divorciado já deu. Open quando casou e acreditou que valia a pena, close quando se divorciou e acreditou que nada vale a pena, play quando começo a respirar a outra vez. Talvez valha a pena, pensa-se. Música vocal cigana do princípio do século já se espalhou pelos cantos da cozinha. Monocórdica, como uma tarde que se escreve involuntariamente só.
Open. Uma mulher é sempre open. Mesmo uma que se cruzou connosco num autocarro, e é tão bonita; levantou-se antecipadamente para sair depois dum túnel, e é tão bonita; foi batendo com o polegar no corrimão vertical em que tocou a campainha, e é tão bonita; olhou-nos de relance quando as portas abriram, e é tão bonita. Saiu: close. Era tão bonita.Play, o bicho continua em movimento tortuoso serpenteando a cidade. Com mais fome. Engole pessoas pela porta da frente e vomita-as pela porta de trás, sem ligar merda nenhuma à minha vontade de ter ficado estacionado no momento em que os nossos olhos se cruzaram, e ela era tão bonita. Os autocarros não estacionam, o tempo não estaciona, as relações também não. Vivemos e temos que decidir tudo em andamento. Open, close, play. Open, close, play...
Se eu lhe pudesse dizer alguma coisa era open. Agradecia-lhe a existência e ter-se cruzado comigo neste mundo tão povoado, e de me ter povoado a mim. Tanto, ainda que pouco. Que eu sou um cais, pois, onde a fugacidade se atraca com a força dum navio petroleiro. Pois sou: um cais deserto onde à noite vou fumando as nuvens que poluem o horizonte, desenhando-a hirta, batendo com o polegar ao ritmo duma música qualquer. Uma música qualquer? Não, talvez uma música cigana, vocal e monocórdica, que se espalha em momentos involuntariamente sós. Open, Close, Play.
Publicada por bagaco amarelo (27/01/2007)
Conversas de
Quando se vai ao cabeleireiro já temos de ouvir as conversas de quem nos lava a cabeça, de quem corta ou faz o brush e ainda e a mais importante, a da manicure. Ao sábado temos ainda de ouvir a conversa de toda a multidão que lá se junta.
Senhora jovem - Não sei como há mães que conseguem pôr os filhos no infantário. Eu não conseguía!
Manicure - Se calhar precisam de trabalhar
Senhora - Essas mulheres não estão para aturar os filhos
Manicure - A Senhora pode ficar em casa, mas há mulheres que não podem
Senhora - Querem é despejar os filhos
Manicure - Mesmo que queiram não podem ficar em casa
Senhora - Deixei de trabalhar para poder ficar com o meu filho!
Manicure - Tomara a mim poder ter ficado mais tempo com a minha filha! não pude.
Senhora - Isso é a D. Fátima. Mas há outras que não qurem ficar em casa. Acham pouco.
Ficar em casa para educar os filhos é uma obrigação sagrada
Manicure - Estudaram e querem trabalhar...
Senhora - Se querem ter filhos não têm esse direito
Manicure - Eu quero que a minha filha estude para ter um emprego melhor do que o meu
Senhora - Então não quer ser Avó?
anotado por marta (2006)
9 Comments:
Este foi caso real.
Falhei aquele post do Bagacinho!
Espectáculo!
Escolheste dois bons textos, embora ache o 1º excelente pelas comparações que faz e o 2º ri-me com a ironia da situação:)
Beijocas*
Dois excelentes textos: um pela construção literária, outro por ser um documento duma ralidade bem...real!
Em dias de crise aguda pergunto-me a mim própria se com tanta emancipação as mulheres não se acabaram por tornar verdadeiras super mulheres.
Casa, filhos, trabalho e...um tempinho para nós próprias...não é tarefa fácil!
Será que estamos a misturar tantas coisas que acabamos por esquecer alguma delas e será que tudo isso nos conduz à felicidade?
Deve ser a melancolia de 2ª feira, a verdade é que nós MULHERES temos arcaboiço para tudo isso.
Boa semana
Carla
fatylynha, já nem me lembrava disto... obrigado. :)
Também gostei muito :) obrigado a todos.
Beijocas
A Senhora é parva!!! Em pleno século 21 ainda há mulherzinhas destas... :-(
Gostei imenso do texto do Bagaço Amarelo! talvez porque neste momento estou CLOSE... talvez um dia chegue ao PLAY...
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