quarta-feira, junho 25, 2008

Testemunho de um Infectado











Sei que a maioria não gosta de textos longos, mas eu gosto de tudo e como li este no SIDADANIA II achei que deveria partilhá-lo, quanto mais não seja, no cumprimento do meu dever como cidadã:

"Publicado no fórum do site Aids Portugal, e com pedido de divulgação através de uma corrente, publicamos aqui um testemunho de vida, que pode servir para alertar pessoas, que ainda não se mentalizaram que a infecção pelo VIH pode acontecer a qualquer um, e que o bom aspecto das pessoas não significa que não sejam portadores do vírus e que possam infectar outros.O desespero aqui descrito pelo Ricardo, demonstra o peso que o VIH tem naqueles que são apanhados pelas suas garras, no entanto a visão da morte a curto prazo pertence ao passado, embora não possamos descartar essa possibilidade pois ainda acontece embora raramente. Espero que este ser humano, consiga recuperar e viver feliz, pese o facto de que o fardo da infecção e de ter infectado a sua mulher o irá acompanhar por toda a vida. Vale a pena ler.

Um abraço Raul Rudoisxis "

"Chamo-me Ricardo Matos, tenho 35 anos e não sei se faço os 36!Irónico? Não. Sou realista e já vão perceber porquê. Sou casado (em união de facto, o que para mim é a mesma coisa) há 6 anos. Um casamento feliz, vários desentendimentos ao longo deste tempo, mas nada que possa ter posto em risco os sentimentos fortes e recíprocos entre mim e a mulher da minha vida - a Paula. A prova está nos 2 seres mais importantes do mundo para mim - os meus piolhinhos - Nádia e André.A Nádia nasceu 1 ano depois de nos juntarmos - veio alterar por completo a nossa vida - os serões com os amigos passaram a ser em casa, o Bairro Alto e o Lux passaram para 2º plano. Mas não fez mal, pois a nossa maior alegria era partilhar todos os momentos com a nossa filhota. Cada gracinha, cada progresso do seu crescimento tinha que ser vivido pelos 2, ou sentiríamos inveja um do outro (no bom sentido).Passaram 3 anos e nasceu o André. Espevitado e muito manhoso, sempre foi um terror, desde o dia em que nasceu. Veio alegrar ainda mais a nossa vida.Antes de nascer o André, passei por um período complicado. Eu e a Paula discutíamos muito, a gravidez dela foi complicada, ela passou muito mal, o humor dela alterou-se completamente, teve algumas complicações e ficou de baixa a partir do 4º mês de gravidez. e eu não tive paciência nem coragem para a apoiar. Eu e a Paula chegávamos a discutir sobre quem deveria levar ou ir buscar a Nádia ao infantário. Eu achava que ela deveria fazê-lo por estar em casa "sem fazer nada", ela dizia-me com toda a razão (hoje admito), que se estava de baixa, por algum motivo era. Não podia fazer esforços nem pegar em pesos, mas eu, no meu mais puro egoísmo, nunca parei para pensar. Eu não fui um bom marido, nem um bom pai, optei pelo caminho mais fácil e refugiei-me nos meus amigos, na noite, nos copos. O ambiente em casa ficou de cortar à faca, tudo era problema para a Paula, em contrapartida, lá fora tudo era maravilhoso, não havia stress com nada, eu era solicitado pelos meus amigos, ninguém fazia perguntas, ninguém me criticava, tudo era perfeito!Até que um dia, numa das minhas saídas nocturnas, conheci mais profundamente uma das amigas da noite: o nome dela era Mónica, tinha 25 anos, não era propriamente bonita, mas era aquilo que se chama "um chuchusinho". Até esse dia, brincávamos um com o outro, provocávamo-nos mutuamente, chegámos até a trocar uns beijinhos inocentes, nada de importante. Mas nessa noite, foi diferente, eu tinha vontade de extravasar, não me apetecia pensar na minha vida actual, naquele momento, rejeitei completamente pensamentos sobre a minha vida, a minha mulher, a minha filha. o meu filho que vinha a caminho. Acabei a noite num hotel, achando que o meu acto era apenas um desabafo, pois se a minha vida estava virada do avesso, que mal fazia tentar alegrar-me um pouco!Cheguei a casa à hora do almoço, deparei-me com a cara da minha mulher, a cara de quem tinha passado a noite em branco, angustiada e triste. A minha filha não entendia nada, apenas ficou feliz por ver o pai, sem perceber porque é que ele passou a noite fora.Desculpei-me com os copos, arranjei o álibi perfeito, disse que bebi demais, não estava em condições de conduzir e fiquei a dormir no carro, juntamente com um amigo.Não sei se a Paula acreditou. Só sei que não disse mais nada. Eu senti-me mal, mal por mentir, mal porque senti nojo de mim próprio, pelo que tinha acabado de fazer. Uma noite perfeita acabou num peso brutal na minha consciência. A Paula não merecia nada do que eu tinha feito.O tempo foi passando, as mágoas foram-se atenuando, mas as coisas entre mim e a Paula nunca mais foram as mesmas. Até que nasceu o André. Aí, baixámos as armas por completo e prometemos um ao outro que nunca mais íamos deixar as coisas chegar à exaustão. Éramos uma família e tínhamos que lutar por ela, por nós e principalmente pelos nossos filhotes.Esqueci o assunto, "redimi-me dos meus pecados", dedicando-me à minha família. Mas sempre que me olhava ao espelho, sentia-me um cobarde pela traição e por não ter assumido os meus actos. Mas também, isso poderia estragar tudo. Era melhor ninguém saber de nada.Há cerca de um ano atrás, a Paula foi ao médico, por causa de umas dores que andava a sentir. Fez exames e detectaram que tinha quistos nos ovários. Teve que ser operada e para tal, foi submetida a uma série de análises - prática comum antes de uma cirurgia. Entre as análises estava a avaliação sobre o HIV. Qual o problema? Nenhum. Nunca poderia acusar nada. mas acusou. A Paula estava infectada com o vírus da sida e a tempestade caiu de novo nas nossas vidas.Tive que admitir o meu erro e automaticamente, fiz também análises.Estava também infectado, fui eu o causador de tudo, de certeza absoluta.Lembrei-me da inconsciência daquela noite, de tudo o que fiz e do que não fiz. Como é que eu pude fazer o que fiz sem usar preservativo, com uma pessoa que eu conhecia há tão pouco tempo. Mas tinha tão bom aspecto.quem haveria de dizer.Percebi também porque é que os antibióticos que andava a tomar não faziam efeito como deviam.Estraguei a minha vida, a vida da minha mulher, dos meus filhos, dos meus pais, de toda a família. A Paula ficou portadora do vírus, por minha culpa. A lição que aprendi, a um custo tão elevado foi que o amor vence tudo. A Paula deu-me uma chapada psicológica que eu nunca vou esquecer.Perdoou o que eu lhe fiz e tem-me proporcionado os melhores momentos da minha vida.Hoje, estou deitado numa cama, sem fazer esforços. Estou com uma broncopneumonia grave, o meu organismo não responde aos tratamentos, não sei quantos dias vou durar.Se me safar desta vez, vou continuar a viver cada momento como se fosse único.Estou angustiado por não haver nada a fazer, pelas consequências do meu acto inconsciente.Quanto à minha amiga, a Mónica, perdi-lhe o rasto, tentei contactá-la logo que aconteceu tudo, mas nunca atendeu. Será que sabia o que tinha?Quantas mais pessoas teriam a mesma coisa? Estas são perguntas para as quais nunca vou ter resposta.Percebi a importância da vida, que, se tivesse uma 2ª oportunidade, nunca desperdiçaria os melhores momentos, as gracinhas dos meus filhos, o amor da minha mulher.Porque escrevo?Porque quero passar a mensagem a todos os meus amigos e a todos os amigos dos meus amigos.Eu não tive uma 2ª chance, não pude voltar atrás, estraguei tudo.Por isso peço-vos: Não desperdicem as oportunidades da vida.Ponderem sobre o que é mais importante para vocês.Quando "brincarem" com alguém, conhecido ou desconhecido, por mais confiança que possam ter, protejam-se. O bom aspecto das pessoas não indica se estão ou não contaminadas. Cuidado com as caras bonitas (isto é válido também para as mulheres, claro).Mesmo com protecção, façam o teste HIV, porque nunca se sabe.Quando o fizerem, se estiverem a trair alguém como eu (custa muito admitir, mas foi mesmo traição o que eu cometi), cuidado, pensem que não podem estragar mais ainda a vida das pessoas.Eu não consegui voltar atrás mas quero que o meu caso sirva de exemplo.Não vou chegar aos 36 anos, vou deixar para trás uma história de vida muito bonita, os meus filhos, a minha mulher, toda a minha vida. Eles vão ficar marcados para a vida toda, principalmente a Paula que tem a vida dela estragada à custa da minha irresponsabilidade.Peço que não escondam nada dos meus filhos, quero que lhes contem tudo o que o pai fez, que lhes mostrem esta carta, quando puderem entender.Perdi o rasto a muitos amigos de escola, da faculdade e de outros andamentos. Por isso mesmo, quero pedir a quem tem esses contactos, que forme uma corrente e mostre a minha mensagem.O meu exemplo tem que servir para alguma coisa. Como não posso viver, pelo menos a minha morte poderá evitar outras, assim o espero.Às pessoas que me conhecem, provavelmente vão ler a mensagem depois da minha morte: nunca tive inimigos por isso posso dizer que tive todo o prazer em vos conhecer, em ser vosso colega, vosso amigo. não chorem a minha morte, ou se chorarem, sorriam ao mesmo tempo e pensem que a vida é maravilhosa, basta nós querermos.Por último, peço a todos os que lerem a minha mensagem, que pensem sobre o significado de curtir a vida.

Curtir a vida não é fazer o que eu fiz. Pensem muito nisso.

CURTAM, PROTEJAM-SE E VIVAM FELIZES!

Com saudades da vida Ricardo Matos

12 Comments:

Blogger xistosa, josé torres said...

Criticar quem, o quê e por que sucedem destas coisas?

Não vale a pena iniciar o ciclo.
A vida é isto mesmo.
Quando nos atraiçoamos a nós próprios, quando estamos na corda bamba e podemos cair, o melhor é ampararmo-nos e erguer a cabeça caminhando, mesmo acabrunhados.

É a inocência da vida ... ou será da morte?

25/6/08 21:32  
Blogger . intemporal . said...

Fatyly
Muito obrigado pela publicação no teu blog, deste testemunho, que não é nada mais, nada menos, que um caso real, como muitos que acontecem no mundo em que vivemos.
Nenhum de nós tem o poder de julgar quem quer que seja, até porque, todos cometemos erros, ao longo da nossa vida. Da mesma forma, como o Ricardo foi infectado por uma relação sexual desprotegida, tendo infectado também a sua mulher, todos os dias se cometem erros irreparáveis e irreversíveis. Quantas pessoas ficam paraplégicas e colocam em risco a vida de quem transportam nas suas viaturas assim como a dos peões, devido a acidentes de viação, causados por uma condução completamente irresponsável?
Este testemunho vale para mostrar que a SIDA existe e que nos pode bater à porta a qualquer momento.
Apelo a todos para que utilizem sempre e imperativamente o preservativo com todos os parceiros dos quais desconheçam a sua situação serológica para o VIH e também para outras doenças sexualmente transmissíveis e não menos graves, como a hepatite B e C. QUEM VÊ CARAS NÃO VÊ CORAÇÕES e a SIDA NÃO TEM ROSTO.
Deixo aqui o meu profundo respeito e apresento a minha maior homenagem a todos aqueles que são infectados inocentemente, os quais, pelos testemunhos que conheço e por incrível que pareça perdoam porque amam e esta capacidade incondicionável de perdoar, prova que o amor existe e a humanidade também, acima de todas as coisas.
Eu, Paulo, infectado pelo HIV, desejo a todos um vida repleta de sucesso e de felicidade.

25/6/08 21:55  
Blogger wind said...

Não sei que escrever a não ser que esta realidade acontece a muita gente, infelizmente.
Beijocas

25/6/08 22:11  
Blogger Fatyly said...

Xistosa
"Quando nos atraiçoamos a nós próprios..." a vida tem dessas coisas e depois do mal feito há que se saber levantar, mas para isso é preciso a ajuda dos amigos, vizinhos, família, colegas, enfim da sociedade em geral.

Julgo que debaixo de alcool e drogas tudo pode acontecer, mas ainda é mais assustador quando conscientes e sóbrios, avançam e "é tudo numa boa...só acontece aos outros".

Paulo
Todos cometemos erros e há mil situações provocadas pela ignorância/incúria/falta de respeito/civismo e sobretudo o pensar que só acontece aos outros.
Acontece o mesmo com as doenças que nos surpeendem.
Vimos ao mundo com um destino e a ele ninguém foge. Jamais critico e quando desabafam comigo, comigo fica.
O Amor será sempre uma mais valia para qualquer situação de "sufoco".

Obrigado e um grande abraço

25/6/08 22:21  
Blogger Fatyly said...

Wind
é verdade e sabes o que me faz lembrar? O flagelo que os meus pais sofreram na sua época com a "sífilis" que não tinha cura e matava em três tempos. Hoje é curável.

No que toca ao HIV e Hepatites tem-se feito grandes progressos e julgo que estaremos perto de uma vacina ou algo que trave este flagelo.

Beijos

25/6/08 22:27  
Blogger Odele Souza said...

Fatyly,

Já conhecia este post original e te cumprimento amiga, por reproduzi-lo aqui. Sempre haverá alguém que o lerá pela primeira vez. Colaborar é isto, ser solidário é isto. Entre outras atitudes, pegar este meio, este recurso fantástico que é a Internet e fazer "correr a notícia" para mais e mais pessoas, Pois é só assim, só com "...a ajuda dos amigos, vizinhos, família, colegas, enfim da sociedade em geral." é que se consegue dar a volta. E continuo a dizer: Sozinhos fica difícil, mas juntos somos poderosos.

Um beijo pra ti querida Fatyty.

25/6/08 22:55  
Anonymous Anónimo said...

mandaram-me este mail e também o fiz circular.

beijinho

25/6/08 23:03  
Blogger R.Almeida said...

Fatyly
Obrigado, pela publicação do Post, pois é importante divulgar para prevenir e esse é um dos objectivos do "Sidadania", que agradece a tua dedicação à causa da infecção pelo HIV.
Aproveito a oportunidade, para anunciar em primeira mão que o teu blogue foi galardoado com a ordem do Sidadania, bastando enviar um email a confirmar que aceitas o galardão para te podermos enviar a imagem e a poderes colocar aqui no teu blogue, e procedermos á inclusão do link "Uma Simples Cubata" em lugar de destaque na rubrica de blogues galardoados.
Obrigado pela tua solidariedade, fidelidade e carinho com que nos tratas.
Bjs
R.Rudoisxis

25/6/08 23:28  
Blogger Fatyly said...

Minucha
Fizeste bem porque alertar nunca é demais.

Odele
Podemos fazer muitas coisas sózinhos, mas a movimentação de uma massa humana vale muito mais, tal como as formiguinhas que se unem e usam todos os meios convergentes para uma ou mais causas.

Raul
Mas que honra meu amigo. Irei mandar e tenho pena que o meu blogue não suporte os "prémios" que ponho na barra lateral, mas vou publicando à medida que os recebo.
Tento estar atenta à causa ou causas e ajudar no que for preciso, quanto mais não seja através de palavras ou gestos numa de "p'ra frente é que é o caminho".
Também gostei muito da tua conversa com o teu neto sobre a Flávia.

Um beijo e obrigado a todos

26/6/08 08:18  
Blogger As Chamas do Fénix said...

Tudo o que sirva para alertar...abrir consciências para o flagelo da Sida... deverá ser louvado... Se podermos salvar com informação pelo menos uma vida... então a nossa missão terá valido a pena... Parabéns pelo blog...gostei muito...

Uma Grande Chama para ti...Beijos

Ps: Bom fim de semana

27/6/08 15:50  
Blogger Break Silence said...

espero que não te importes mas vou também publicar este texto.
Beijos

18/7/08 21:22  
Blogger Break Silence said...

Fatyly, se puderes envia.me o email do Ricardo e da Paula.
Beijos

18/7/08 21:28  

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